Entardecer do meu rio Jacuí...

Entardecer do meu rio Jacuí...
.. posso te afirmar que ¨contar histórias é trazer à baila, trazer à tona¨. Não é uma atividade inútil. Embora haja intercâmbio de histórias, quando duas pessoas trocam histórias como presentes mútuos, na maior parte dos casos elas chegaram a se conhecer bem.Alguns deitaram com a história e descobriram dentro de si mesmos e em profundidade todas as partes que se harmonizavam. Ao lidarmos com palavras e histórias estamos trabalhando com energia arquetípica, que é muito similar com a eletricidade.
Bem-vindo!

quinta-feira, 17 de março de 2011

A mulher loba



Ser mulher é mágico, é doce e ao mesmo tempo é forte. E não é por acaso que as regiões agrestes e ainda intocadas desaparecem à medida que fenece a compreensão; não é tão difícil compreender por que as velhas florestas e as mulheres velhas não são consideradas reservas de grande importância. Não é coincidência que os lobos e coiotes, os ursos e as mulheres rebeldes tenham reputações semelhantes. Todos eles partilham arquétipos instintivos que se relacionam entre si, e por isso, muitas vezes, tem a reputação equivocada de serem cruéis, inatamente perigosos, além de vorazes. A mulher moderna é um borrão de atividades. Sofre pressões no sentido de ser tudo para todos.
Todas nós mulheres, temos anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos.
O estudo dos lobos é como a história das mulheres, no que diz respeito à sua vivacidade e à sua labuta. Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum, tem percepção aguçada, espírito brincalhão e elevada capacidade par a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São intuitivos e tem grande preocupação com a matilha. Tem experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação .Tem uma determinação feroz e extrema coragem. Mas desconheço duas espécies tão perseguidas e acossadas!
Cresci entre bosques e pomares, campos e pequenos riachos. Onde os trovões e os relâmpagos eram o meu principal alimento.Os milharais da horta estalavam e falavam alto à noite. Eu não era bonita, nem mesmo uma menina comportada em rendados vestidos com topes de fita. Não, meu único desejo era perambular por entre os pés de milho da horta enorme, me esconder entre os caules das árvores do pomar, roçando meu rosto nos troncos nodosos.., escutando os gafanhotos à noite, perseguindo vaga-lumes. Preferia o chão, às mesas e cadeiras., gostava de observar as estrelas, as árvores, os pássaros, as cavernas e as borboletas porque nesses lugares eu sentia como se pudesse encontrar com Deus.Os campos precisavam de alguém que caminhasse neles quando escurecesse para que pudessem farfalhar seus arbustos, conversando baixinho. Tive a sorte de crescer na natureza. Lá, onde os raios me falavam da morte repentina e da evanescência da vida. Aprendi a amar as borboletas e os vaga-lumes. Minha própria geração cresceu numa época em que as mulheres eram infantilizadas e tratadas como propriedade. Elas eram mantidas como jardins sem cultivo, mas felizmente sempre chegava alguma semente trazida pelo vento...
Aqui estou eu. Classificada, algumas vezes, de louca, efervescente, corajosa. Mas busquei sempre a essência do amor e da felicidade. E se encontro essa felicidade hoje olhando esse lago, deitando na grama e escutando o barulhinho que ela faz para crescer, me sinto infinitamente livre. Posso sentar na cauda de um cometa.Posso ficar por horas olhando o firmamento e conversando com as estrelas.Posso ficar escutando o barulho do vento e da chuva se batendo contra a vidraça da janela.Infinitamente livre.Infinitamente completa. Infinitamente realizada. Infinitamente loba.
Amo ser mulher. Amo ser essa loba.