Entardecer do meu rio Jacuí...

Entardecer do meu rio Jacuí...
.. posso te afirmar que ¨contar histórias é trazer à baila, trazer à tona¨. Não é uma atividade inútil. Embora haja intercâmbio de histórias, quando duas pessoas trocam histórias como presentes mútuos, na maior parte dos casos elas chegaram a se conhecer bem.Alguns deitaram com a história e descobriram dentro de si mesmos e em profundidade todas as partes que se harmonizavam. Ao lidarmos com palavras e histórias estamos trabalhando com energia arquetípica, que é muito similar com a eletricidade.
Bem-vindo!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A taquareira e as formigas

O que eu estou fazendo aqui? Que saco.
Enquanto puxava a gola do casaco contra o pescoço na inútil tentativa de driblar o vento frio da noite, pensava na minha cama quentinha e na segurança da minha casa. Mexi com os pés na esperança de “ desaformiga-los “ . Por que me posicionei neste lugar? Bem debaixo de uma taquareira! Meus conhecimentos rurais não continham informações de que “ taquareiras” pingam..., ufa.
Olhei novamente para o horizonte, para o breu da noite, mal divisionando a cerca e a porteira da propriedade em frente. Alguns colegas também se posicionaram enrustidos no manto da noite para surpreender os abigeatários.
Tivemos a informação de que naquela noite o capataz de uma fazenda faria vistas grossas e permitiria que o capataz da fazenda lindeira “ tirasse” por ali algumas cabeças de gado do patrão( falecido, por sinal), vendendo-a na calada da madrugada. Na verdade, eles já haviam feito à passagem dos animais naquela tarde e os mesmos estavam escondidos bem no fundo do campo. O negócio era esperar o comprador que deveria chegar a qualquer momento para levar o gado. Depois certamente, dividiriam os lucros auferidos e logicamente o inocente capataz da propriedade onde os bichos tinham sido surrupiados, registraria um boletim de ocorrência, furto, claro! Omitiria apenas que ele é que tinha furtado.
De repente, no decorrer das minhas divagações, ouvi um tiro. Foi na nossa direção. Passou perto da minha taquareira, um pouco alto talvez. Um dos capatazes, desconfiado andava na escuridão observando a divisa imposta pela cerca de arame e deve ter notado alguma sombra movendo-se. Incrível como faz silencio no campo! Na noite é possível escutar qualquer ruído de um animal ou de uma folha de árvore caindo, imagina de vários policiais esgueirando-se na escuridão e bem próximos da porteira. Calibre 12.
Alguma coisa se movia nas minhas pernas, entre o jeans e pele tinha alguma coisa... Não podia me mover. Experimentei me coçar bem devagar. O capataz agora, andava a cavalo, bem rente a cerca, perscrutando a noite. Eu estava bem defronte a ele, as estrada vicinais são estreitas e a distancia talvez fosse de 30 metros.( nunca fui muito boa de cálculos imaginários). Ah, novamente algo se movia nas minhas pernas, agora era nas duas. Levei a mão esquerda (na direita mantinha o revolver) vagarosamente à coxa na tentativa de neutralizar o que quer que fosse que se movia sobre a minha pele. Apertei firmemente uma prega do jeans na esperança de esmigalhar aquilo.
O capataz voltava, passando novamente junto da cerca. Parecia um sentinela de quartel, ia até um ponto e voltava pelo mesmo caminho.
A escuridão me impedia de visualizar o que estava me incomodando. Perto de mim, dois colegas ajeitavam-se como podiam atrás de um pequeno arbusto. Para meu horror, vi que o ser “ semovente” estava em vários outros lugares das minhas pernas..., são formigas!! Enormes. Será que mordem? Ou será outro bicho?
Já molhada pelas lágrimas da taquareira decidi reavaliar a missão. Esperei o capataz se distanciar e cochichei com os colegas mais próximos e mandei que trouxessem o proprietário da fazenda por onde o gado sairia. Não vamos esperar aqui na estrada.. Vamos entrar, teremos que abortar o fator surpresa ao capataz que esperaria o negociante, mas ainda podemos salvar a “ surpresa” ao abigeatário-comprador. E lá pelas 4 e pouco da manhã, os faróis de seu caminhão iluminaram a escuridão, rasgando o breu da noite ele parou defronte a porteira. Ele tomou um susto e tanto!
Lendo sobre abigeatos e carnes apreendidas na cidade, lembrei dessa missão. Ainda acocorada atrás da taquareira, molhada, cheia de picadas de formigas, jurei que quando me aposentasse da polícia, iria escrever um livro sobre as peripécias que vivi.___________________________________________